(FOLHAPRESS) – O consumo elevado de alimentos ultraprocessados pode aumentar em mais da metade o risco de casos de depressão entre a população, revela um novo estudo feito por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo). A pesquisa é uma das primeiras a avaliar a relação entre o consumo de produtos altamente industrializados e a depressão persistente no contexto nacional e utilizou dados de 13 mil pessoas espalhadas por seis capitais do país.
Os resultados obtidos mostram uma associação entre o consumo elevado de ultraprocessados e a persistência dos episódios depressivos. Pessoas do grupo que consumia mais industrializados tiveram 58% a mais de chances de ter pelo menos dois diagnósticos para a doença ao longo dos oito anos do estudo do que aqueles do grupo com a dieta mais saudável.
“Não podemos afirmar que o consumo de ultraprocessados é a causa direta da depressão, mas há uma associação significativa que precisa ser considerada”, ressalta Naomi Vidal, pós-doutoranda da USP e principal autora da pesquisa.
A especialista explica que o consumo excessivo de ultraprocessados impacta negativamente a microbiota intestinal, o que, por sua vez, afeta o eixo intestino-cérebro. Isso pode levar a neuroinflamação e desencadear respostas ao estresse, aumentando os níveis de cortisol, por exemplo, um hormônio relacionado à regulação do humor. Tudo isso contribui para o aumento dos sintomas depressivos.
Publicada no Journal of Academy of Nutrition and Dietetics, a pesquisa foi realizada a partir de dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). Os mais de 13 mil participantes foram divididos entre aqueles que não receberam nenhum diagnóstico para a doença ao longo dos oito anos da pesquisa, os que tiveram apenas um quadro ou os que foram diagnosticados duas vezes ou mais.
Depois, foram analisados com base na porcentagem de calorias diárias totais provenientes de alimentos ultraprocessados. Entre todos os participantes, a presença de industrializados no dia a dia variou entre 0% e 72%. Os pesquisadores também fizeram um recorte analisando a evolução da saúde mental apenas dos participantes que não tinham depressão quando o trabalho começou. “O consumo aumentado de ultraprocessados aumentou o risco de depressão em 30%”, explica Vidal.
Por outro lado, cortar industrializados na dieta pode trazer benefícios. O estudo simulou cenários em que os participantes reduziriam o consumo de ultraprocessados em 5%, 10% e 20% de suas calorias diárias, substituindo-os por alimentos não processados ou minimamente processados.
Uma mudança de apenas 5% do cardápio já levou a 6% de redução no risco de depressão. Com um corte de 20% nos alimentos industrializados, o risco para a doença caiu em 22%. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde, alimentos ultraprocessados devem ser completamente evitados, não havendo nenhuma porcentagem mínima de recomendação.
No ano passado, outra pesquisa brasileira já havia mostrado uma correlação entre o consumo de industrializados e a ocorrência de sintomas depressivos. O estudo da coorte NutriNet Brasil, realizado com 16 mil adultos inicialmente sem diagnóstico de depressão, coletou dados via questionários online semestrais sobre hábitos alimentares e saúde mental.
Os resultados mostraram que há um risco 42% maior de desenvolver sintomas depressivos em indivíduos cuja dieta inclui quase 40% de ultraprocessados. Embora os pesquisadores tenham avaliado apenas a percepção de humor dos participantes, os resultados já reforçavam a importância de promover uma alimentação mais saudável entre a população.
Outro estudo, realizado com 428 gestantes no terceiro trimestre de gravidez em Criciúma (SC), revelou que o consumo de seis ou mais alimentos ultraprocessados por dia está associado a 42% mais chances de ansiedade, 56% mais prevalência de estresse, 31% mais sintomas depressivos e 3,4 vezes maior risco de tristeza frequente, comparadas às que consumiram menos.
Claudia Suemoto, professora e pesquisadora da USP que supervisionou a pesquisa de Naomi Vidal, destaca a importância de estudar a relação entre consumo de ultraprocessados e a depressão dentro da população brasileira. Ela explica que as maiores fontes de informação que temos sobre esse fenômeno vêm de regiões de alta renda, como Estados Unidos e Europa.
Os altamente industrializados têm um apelo particular às pessoas de menor renda e escolaridade. Esses alimentos são, em geral, mais baratos, duráveis, convenientes para o consumo e apelativos ao paladar, por receberem aditivos como conservantes, saborizantes e aromatizantes. “Aqui, temos maior desigualdade social e diferenças econômicas que podem influenciar não só o consumo de ultraprocessados, mas também os sintomas depressivos”, afirma Suemoto.
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