NATHALIA GARCIA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Com a piora do cenário externo e a ampliação da incerteza fiscal pela fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a meta fiscal, o mercado financeiro vê espaço limitado para a queda dos juros durante o atual ciclo de cortes da taxa básica (Selic).
No curto prazo, os economistas apostam que o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central não deve alterar sua estratégia. Há consenso de que será feito, na próxima quarta-feira (1º), um novo corte de 0,5 ponto percentual, o que levaria a Selic para 12,25% ao ano.
As incertezas se concentram no cenário à frente. A declaração de Lula de que a meta fiscal de 2024 não precisa ser zero e que “dificilmente” o governo alcançará esse objetivo provocou disparada das taxas de contratos de juros futuros.
Os analistas, contudo, já estavam colocando a meta fiscal em xeque muito antes da fala do chefe do Executivo e embutindo isso nas projeções para a trajetória da Selic nos próximos meses -agora incorporando também a deterioração do ambiente internacional.
Caio Megale, economista-chefe da XP e ex-assessor no Ministério da Economia, se diz mais otimista no curto prazo e pessimista no médio prazo. Ainda neste ano, ele espera notícias positivas para o cenário doméstico, com recuo da inflação. No entanto, considera que esse alívio será passageiro.
Em setembro, o índice oficial de inflação -IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo)- subiu menos do que o esperado e, no acumulado em 12 meses, ficou em 5,19%. A tendência para outubro mostrada pelos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é de desaceleração.
“Não tem nenhum risco de ele [BC] pensar em parar de cortar juro no curto prazo. Na minha visão, seria mais provável um corte de 0,75 [ponto percentual] do que de 0,25 em algum momento, para reunião de dezembro ou janeiro”, diz Megale.
“Para o curto prazo, tem a pista livre. Mas, em algum momento à frente, freia o espaço para cortes, com o fiscal mais incerto e juros mais altos lá fora”, acrescenta.
Para o economista, a incerteza fiscal não terminará com a votação do Orçamento de 2024 e vai se estender até a divulgação do primeiro relatório bimestral de avaliação das receitas e despesas primárias, em março do ano que vem, quando será analisada a necessidade de impor ou não um freio bilionário nos gastos.
Nos cálculos do mercado, a perseguição da meta de zerar déficit poderia levar o governo Lula a bloquear R$ 53 bilhões no início de 2024. O valor exato do aperto só seria conhecido com dados mais concretos sobre a evolução da arrecadação e o avanço ou não das medidas de recomposição de receitas enviadas ao Congresso Nacional.
“Quando tiver a primeira revisão bimestral e mostrar que o fiscal está mais incerto -provavelmente vai estar mais para déficit de 1% do PIB [Produto Interno Bruto] do que para equilíbrio [das contas públicas]-, é possível que o Banco Central dê uma desacelerada e pare [de cortar juros] para observar”, projeta Megale.
No café da manhã em que dispensou a necessidade de déficit zero no ano que vem, Lula também defendeu medidas para enfrentar a desaceleração internacional em 2024. “Obviamente nós sabemos que o ano que vem se apresenta como um ano difícil por conta da queda de investimento da China, a queda do crescimento da China e o aumento da taxa de juros americanos”, afirmou o presidente.
O risco de expansão fiscal no próximo ano em decorrência da desaceleração da atividade econômica é um ponto de atenção para Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter.
“A atividade [econômica] fraca pode trazer de volta a especulação de políticas anticíclicas [ações que buscam expandir a economia em um momento de retração], o que a gente não acha que é apropriado no momento em que a inflação começa a convergir para a meta com mais clareza, mas a gente entende que o governo flerta com esses gastos fiscais”, afirma.
Ela ressalta que o aumento na oferta de crédito subsidiado atrapalharia o processo de queda de juros e discorda da decisão da autoridade monetária de ter retirado a questão fiscal do seu balanço como um fator de risco de alta para inflação.
Apesar do alerta, Vitória considera que o BC ainda tem um grande espaço para cortes da Selic nas próximas reuniões e diz que um ritmo moderado de queda de 0,5 ponto percentual é compatível com um cenário interno de inflação menor e risco externo maior.
Desde o último encontro do Copom, em setembro, a rentabilidade dos treasuries -títulos do Tesouro dos Estados Unidos- disparou, os juros nos países desenvolvidos continuaram subindo e eclodiu o conflito entre Israel e Hamas, o que pode encarecer o petróleo e impulsionar a inflação global.
Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank, considera que o cenário internacional pode gerar “algum incômodo” para o BC e ressalta que os juros futuros no Brasil acompanharam o movimento de alta dos pares americanos.
“O mercado está falando o seguinte: com esse cenário externo, com essa piora lá fora, treasuries [títulos do Tesouro americano] subindo, o espaço para cortar juro no Brasil diminui”, disse.
“Isso pode gerar um incômodo no BC no sentido de cortar a Selic no momento em que a curva longa está mais pressionada. Vai ser interessante ver como o Banco Central vai se posicionar perante essa alteração no cenário global”, continuou.
Na visão dele, as economias emergentes -inclusive o Brasil- precisarão aprender a conviver com os juros americanos elevados por mais tempo. Para Salles, esse contexto deve fazer o Copom reconhecer em seu comunicado que o cenário está mais desafiador.
Mas ele pondera que a guerra no Oriente Médio até o momento teve um impacto pequeno nos mercados globais. E, com base nas mais recentes comunicações da cúpula do BC, não vê mudanças significativas que levem o colegiado a alterar seu plano de voo.
Para Juliana Inhasz, professora de economia do Insper, um corte de 0,25 ponto percentual da Selic seria “tecnicamente mais adequado” em um momento de mais cautela e de deterioração das condições globais.
No entanto, ela espera que o BC opte por uma nova queda de 0,5 ponto percentual devido à grande pressão política do governo Lula por um maior afrouxamento monetário.
A especialista diz também que gostaria de ver divergência nos votos dos membros do colegiado do BC, o que sinalizaria ao mercado a preocupação da autoridade monetária com o atual cenário global.
“Caso a gente não tenha essa divergência, isso vai indicar que o BC está muito mais voltado para um desejo de uma queda rápida sem balancear muito os riscos em um ambiente de incerteza. Talvez não tenhamos unanimidade. Isso não significa que o [grupo] pró-governo não vá levar a melhor”, diz.
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