Rio no Colubandê é alvo de denúncias em São Gonçalo
As mudanças climáticas podem trazer sérios danos a moradores da Região Metropolitana do Rio. É o que mostra pesquisa conduzida pela Associação Civil Casa Fluminense, ao qual o ENFOCO teve acesso.
Cerca de 1,1 milhão de casas dos 22 municípios estão em áreas de alto risco para inundações, aponta o levantamento. São Gonçalo e Niterói aparecem entre as cidades que mais poderão sofrer em casos de inundações.
Na primeira, são mais de 83,8 mil casas particulares em áreas de risco alto para inundações. Isso representa 20,3% das residências da região. Outros 514 imóveis surgem em regiões com riscos de deslizamentos.
Enquanto o segundo município citado tem cerca de 68,9 mil moradias com riscos de enchentes (29,9%); e 4,2 mil casas em áreas com risco alto de deslizamento.
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“As duas cidades estão entre as mais populosas do nosso estado, sendo São Gonçalo, a segunda com 20% dos seus lares em áreas sob o alto risco de inundação. Em Niterói esse número chega a quase 30%. Em Niterói, a cidade possui uma secretaria de clima e em agosto do ano passado foi anunciado o início da elaboração de um plano, mas o estado de alerta é igualmente real”, destaca Luize Sampaio, coordenadora de informação da Casa Fluminense. Há uma representação em curso no Ministério Público.
Enchentes
Um dos lugares com chances de cheias é um condomínio na Rua Capitão Juvenal Figueiredo, no Colubandê, em São Gonçalo. Moradores vivem reféns do medo desde que uma enchente invadiu todas as casas baixas no local, em 2010. As construções ficam ao lado de um rio que, conforme as denúncias, não recebe manutenção há uma década.
Enchentes em São Gonçalo, moradores do Colubandê – Péricles Cutrim
“Falta de cuidado, não tem dragagem no rio, limpeza para fazer aqui em volta é muito difícil. Choveu um pouco mais, a gente já fica alerta, vem monitorar o rio, ver se a água está subindo. Quando sobe um pouquinho já fica todo mundo preocupado. Os vizinhos que moram em baixo, vários deles já perderam tudo”, explica o motorista Luciano Guimarães, 48 anos, que mora há 16 anos no local.
Em 2010, as fortes chuvas que atingiram a cidade fez os moradores viverem um trauma que perpetua até os dias atuais. Na época, o local, que possui 56 residências de dois andares, ficou totalmente alagado e com um rastro de destruição.
Prejuízos
Mônica Alves conta que a irmã morava no local, na época, com o marido e dois filhos. A família chegou a precisar de resgate para conseguir deixar o imóvel. O caso gerou um trauma que a fez deixar a casa, onde hoje a familiar, de 56 anos, vive com o filho.
Monica Alves chora ao lembra o que a irmã viveu
Minha irmã morava aqui, com meu cunhado e dois filhos. Ela perdeu tudo, ainda bem que não perdeu a vida. Foi resgatada por um bote e foi muito triste para todos
Mônica Alves,
Técnica em contabilidade
Síndica do condomínio há 5 anos, Maria Lúcia Borges, de 55, conta que em dias de chuva os moradores ficam em pânico: “As pessoas me ligam logo: ‘o que vamos fazer?’, ‘para onde devemos ir?’. Eu fico sem poder ajudar, não temos apoio. É um abandono”.
Marcas das inundações que aconteceram em 2010
Rios problemáticos
São Gonçalo aparece entre as cidades que mais poderão sofrer em casos de inundações
De acordo com o vereador Alexandre Gomes, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de São Gonçalo, as denúncias sobre a falta de manutenção em rios da cidade são diárias.
“Nós já provocamos algumas discussões, audiências públicas e cobramos do Inea [Instituto Estadual do Ambiente] diariamente as dragagens de alguns rios da cidade que têm riscos de inundações em todo o seu entorno que são os rios: Imboaçu, Brandoas e Marimbondo e o rio Alcântara”, enumera.
Segundo Gomes, já há alguns processos de dragagem acontecendo no rio Alcântara.
“Entendemos esse risco, mas o Poder Executivo Municipal tem feito todo o trabalho preventivo que cabe a ele, entretanto, alguns trabalhos, alguns serviços não competem ao município e sim ao estado”.
Procurado pela reportagem, o Inea informou que o rio Alcântara está sendo atendido pelo programa ”Limpa Rio”, no qual os serviços de limpeza e desassoreamento estão sendo realizados.
Denúncias
Coordenador da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Gerhard Sardo, reforça que as denúncias sobre riscos de enchentes são recorrentes.
“São caracterizadas por condições precárias de desassoreamento de rios e canais, que chegam de forma pontual até nós […] Inclusive já realizamos uma audiência pública não muito tempo sobre enchentes em São Gonçalo. Ao receber essas solicitações das comunidades, demandamos ao Inea ou Prefeitura Municipal, cada caso é um caso”, detalha.
Ele explica, ainda, que moradores que quiserem solicitar apoio da Comissão sobre o caso, entre em contato através do e-mail meioambiente.denuncias@alerj.rj.gov.br.
O que diz o Governo do Estado?
A Secretaria de Estado de Defesa Civil do Rio de Janeiro (Sedec-RJ) é o órgão central do Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil, responsável por planejar, coordenar e promover ações visando à proteção global da população no Estado do Rio de Janeiro.
Isso para reduzir riscos e minimizar os impactos de desastres, tendo o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) como principal órgão de atendimento a acidentes e emergências.
“Existe a Lei Estadual nº 5.690, de 14 de abril de 2010, que cria a Política EstadualSobre Mudanças Global do Clima e Desenvolvimento Sustentável, mas que não é cumprida. Ela estabelece a criação de uma série de instrumentos como o plano, fórum de participação popular, cadastro de emissões, sistema de informações e outros”, contrapõe Luize Sampaio – coordenadora de informação da Casa Fluminense.
A Sedec-RJ diz que atua da prevenção até a resposta, incluindo reconstrução pós-desastre. A Defesa Civil Estadual conta que oferece para as prefeituras um modelo de Plano de Contingência.
De acordo com o Governo do Estado, o documento traça protocolos e identifica responsabilidades, orientando o que deve ser feito por cada agência/órgão em cada estágio de um desastre, visando à volta à normalidade, minimizando impactos para a sociedade, para o meio ambiente e para a economia.
“O Plano de Contingências estabelece o fluxo operacional a ser seguido em cada caso, desde o monitoramento meteorológico até o acionamento de estruturas de suporte, visando ao restabelecimento de serviços essenciais. Ele tem vigência de 12 meses, é formulado com base em uma extensa análise de cenários de risco e na gestão inteligente de recursos, de forma articulada, entre os órgãos municipais, estaduais e federais”, pontua a nota.
Conforme Luize Sampaio, coordenadora de informação da Casa Fluminense, em 2020, uma nova lei estadual, a 9.072, altera a anterior e determina a elaboração do plano estadual sobre mudanças do clima e atualização das metas de mitigação e adaptação. “Mais quatro anos se passaram e ele ainda não saiu”, pondera.
A Casa Fluminense junto, a Frente Parlamentar pela Justiça Climática, Hotta Advocacia e 72 outras organizações e movimentos da sociedade civil entregaram nesta última segunda uma representação ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, segundo Luize, “alertando sobre esse descaso do governo estadual com o tema das mudanças climáticas e seus impactos diretos nas periferias do Rio”.
“Além disso, cabe ao governo do RJ apoiar e acompanhar a atuação dos municípios no enfrentamento aos desastres climáticos. Quando a realidade é que, segundo dados do Painel Climático, em 11 municípios da Região Metropolitana do Rio os planos de contingência e proteção da defesa civil não estão publicizados”, continua Luize Sampaio.
Prevenções
A Prefeitura de São Gonçalo informou que desde o início da atual gestão tem sido realizadas obras de macrodrenagem, drenagem e limpeza permanente das redes de água pluvial e córregos.
E afirma que já foram beneficiados os bairros do Colubandê, com macrodrenagem; bairros inteiros como Vista Alegre, Pacheco, Sacramento, Ipiíba, Bom Retiro, Mutuá, Mutuaguaçu e Porto do Rosa, receberam ou estão recebendo obras de drenagem para conter os alagamentos.
A gestão municipal acrescenta ainda que, através de um projeto elaborado pela Secretaria de Gestão Integrada e Projetos Especiais da Prefeitura de São Gonçalo, o Governo do Estado do Rio de Janeiro está realizando obras de drenagem de Neves a Guaxindiba.
Por fim, a prefeitura conta que também realizou obras de contenção de encostas nos bairros Gradim, Pita, Maria Paula e Novo México.
Em relação ao rio do Colubandê, mencionado na reportagem, o governo municipal pontua que “a dragagem é de responsabilidade do Inea, mas o município já realizou limpeza de suas margens”.
Niterói
A Prefeitura de Niterói conta que investiu mais de R$ 200 milhões no Sistema Municipal de Proteção e Defesa Civil, que integra os diversos setores do município com o objetivo de atuar de forma preventiva e preparar o município para possíveis desastres de maneira integrada.
“Desde 2013, a Prefeitura já investiu cerca de R$ 1 bilhão e concluiu mais de 149 obras de contenção de encostas em toda a cidade. Também foram investidos cerca de R$ 500 milhões em obras macro e microdrenagem, além de pavimentação”.
Por meio de nota, o governo municipal esclarece que a Secretaria Municipal de Defesa Civil e Geotecnia “é uma das mais bem preparadas do país”, com corpo técnico de engenheiros civis, arquitetos, geólogos, geógrafos, analista geotécnico, dentre outros profissionais.
“A Secretaria possui um Centro de Monitoramento e Operação da Defesa Civil, com equipes que avaliam as condições meteorológicas 24 horas por dia; operam os 46 pluviômetros automáticos, 37 sirenes espalhadas pelas comunidades da nossa cidade, com alcance de mais de 120 mil pessoas”, diz.
A Defesa Civil, ainda conforme a prefeitura, trabalha com foco na prevenção, preparação e mitigação de riscos de desastres, para que o município possa dar respostas rápidas e eficientes em situações de emergência e ser o menos possível impactado.
“O risco possui característica dinâmica, os cenários estão se alterando a todo o momento, muitas das vezes pelas ações humanas outras por questões naturais. Tendo em vista essa alteração constante, também concentramos esforços nos diagnósticos e no monitoramento das áreas de risco do nosso município”, explica o secretário municipal de Defesa Civil e Geotecnia, Eric de Oliveira.
Mundo em ebulição
Para Luize Sampaio, coordenadora de informação da Casa Fluminense, a crise climática é uma realidade do presente. Ela lembra que os desastres já estão acontecendo por todo o mundo.
“Não falamos mais de aquecimento global, o mundo está em ebulição. As ondas de calor e as enchentes causam desastres que não são nada naturais, são consequências de modelo de desenvolvimento predatório associado a uma série histórica de descaso e falta de planejamento do poder público”, pondera.
Segundo ela, a Casa Fluminense está alertando que hoje 1 a cada 5 lares na metrópole estão em áreas de alto risco de inundação.
“Estamos falando de mais de 1 milhão de domicílios. Se o alerta e estudo já existem, como nossas cidades e estado permanecem sem um plano de adaptação climática? As consequências já estão acontecendo, por agora, principalmente, nas favelas e periferias”, alerta.
Alinhamento
Por fim, Luize destaca que a crise climática deve ser a pauta central e depende do alinhamento dos diferentes poderes, “mas cabe ao governo do Rio apoiar e acompanhar a atuação dos municípios no enfrentamento aos desastres climáticos”.
Segundo dados do Painel Climático, em 10 municípios da Região Metropolitana do Rio os planos de contingência e proteção da defesa civil não foram encontrados — sendo 8 deles na Baixada Fluminense, região mais afetada.
“O monitoramento mostra também que apenas a capital possui Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas. Mais da metade das cidades da RMRJ estão com o Plano Diretor atrasado. De 22 municípios, 12 não possuem Plano de Gestão de Resíduos Sólidos”, diz.
O cenário, segundo Luize, aponta a necessidade de fortalecer a governança climática na estruturada gestão pública, com mais alinhamento entre municípios e estados, mas também coordenação intersetorial entre diferentes pastas como habitação, mobilidade e saneamento, por exemplo.
“Por isso, a Casa Fluminense defende a criação de uma Secretaria Estadual de Emergência Climática que lidere, paute e fiscalize os planos e programas que precisam ser feitos para criarmos cidades mais resilientes”, finaliza.