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Catherine Deneuve canta por saudade de Mastroianni em ‘Marcello Mio’, em Cannes

(FOLHAPRESS) – Meio sem dar aviso, o termo “nepo baby” começou a circular por Hollywood há alguns meses. Junção das palavras em inglês para nepotismo e bebê, é usado para descrever o filho de alguma celebridade que também entra para o showbiz.

Chiara Mastroianni é uma delas, provando que o fenômeno não é exclusivo dos americanos. E é a partir de sua condição de “nepo baby” que se constrói o novo filme estrelado pela herdeira de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve.

Filha de duas das maiores lendas do cinema europeu, Chiara parece atormentada pelas origens, o que move o misto de realidade e ficção que é “Marcello Mio”.

Dirigido por Christophe Honoré, que já a conduziu em outros filmes, em especial em “Canções de Amor”, de 2007, o longa foi exibido nesta terça-feira (21) como parte da competição principal do Festival de Cannes.

Na trama, Chiara -a própria, atriz e personagem- fica incomodada depois de um teste de elenco, em que a pedem para que ela atue mais como Mastroianni do que como Deneuve.

A partir daí, ela passa a se vestir, andar e falar como o pai, confundindo aqueles à sua volta -incluindo a mãe, que também aparece em cena.

É uma crise de identidade cuidadosamente filmada, sem descambar para o melodrama fácil de uma personagem que tenta se provar a todo custo.

Mas é também uma homenagem ao ator italiano e ao cinema feito na Itália e na França. É de Jacques Demy, afinal, que vem a inspiração para o lado musical de “Marcello Mio”, que põe Chiara e Deneuve para cantarem sobre temas banais de forma sonoramente grandiosa.

A diva francesa, estrela do clássico “Os Guarda-Chuvas do Amor”, exibido neste Festival de Cannes como parte da programação de clássicos, aquece os corações dos fãs. É um filme bonito, mas inofensivo.

Do delicado e nostálgico “Marcello Mio”, Cannes foi para a crueza e energia de “Anora”, filme de Sean Baker que também concorre à Palma de Ouro.

Foi curioso deixar a sala do primeiro, com seu final afetuoso, e entrar imediatamente na sessão do segundo, que começa com um travelling em que a câmera enquadra os quadris num corredor de strippers.

Na trama, acompanhamos uma garota de programa americana que conhece o filho de um oligarca russo, que logo a paga para ficar uma semana toda com ele até, enfim, se apaixonar. Eles se casam, mas logo sua família manda notícias da Rússia desaprovando a relação.

Algo bom no filme é que ele foge do lugar-comum do russo mafioso e truculento, ao mesmo tempo em que brinca com o estereótipo. Pensamos que é nessa direção que o filme vai, levando dois brutamontes para a casa do rapaz, que amarram Anora e tentam obrigá-la a se divorciar.

Mas Baker rapidamente subverte a trama, mostrando que sim, a família russa é poderosa e influente, e que sim, tem contatos para limpar as suas sujeiras. Mas o debate gira mais em torno de classe do que de violência.

Baker vem filmando com maestria tipos economicamente marginalizados na sociedade americana contemporânea.

Em “Projeto Flórida”, equilibrou crueza e ingenuidade ao mostrar a falta de perspectiva de um grupo de crianças que moram num conjunto habitacional às margens dos parques da Disney.

Depois, em “Red Rocket”, fez humor com a história de um ex-ator pornô que perde tudo e tem que voltar para a cidadezinha pobre onde morava com a ex-mulher.

Em “Anora”, adentra o subterrâneo das boates de Nova York, sem ceder à tentação de objetificar as strippers com sua câmera. Seu objetivo é o contrário, buscar a humanidade que historicamente lhes é negada.

Por outro lado, o menino rico e mimado é um constrangimento. Vê-lo em cena desafia a paciência do espectador, e por mais que nunca fique claro se há sentimento no casamento da dupla, ficamos totalmente ao lado da protagonista Anora no caso de um golpe.

“Anora” ainda se permite ser divertido, com piadas bem posicionadas em meio ao drama e à tensão construídos gradativamente. É um dos poucos grandes filmes que Cannes apresentou até agora.

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