MARCOS GUEDES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Los Angeles Lakers escolheu o dia 8/2/24 para inaugurar a estátua de Kobe Bryant à frente de seu ginásio. A data tem referências aos números usados pelo craque em seus cinco títulos na NBA com o time californiano, 8 e 24. E à camisa 2 que utilizava em torneios juvenis sua filha, Gianna, que morreu aos 13 anos no acidente de helicóptero que também matou o pai, aos 41, em janeiro de 2020.
Em cerimônia cheia de lágrimas, foi revelada na noite de quinta-feira a estátua de bronze -que retrata um Kobe de camisa 8, celebrando com o dedo em riste seu jogo de 81 pontos contra o Toronto Raptors, em 2006. Haverá ainda outras duas, ainda sem data para conclusão: uma do atleta com a camisa 24 e outra com Gianna.
A primeira escultura já é um dos pontos turísticos de Los Angeles.
O evento que exibiu a primeira peça ao mundo serviu de pretexto para que ficasse novamente clara a influência que Bryant ainda exerce na liga norte-americana de basquete. Descontada toda a hipérbole que acompanha situações desse tipo, ainda assim emerge da homenagem uma NBA com a marca do pentacampeão.
É inegável que o ídolo dos Lakers seja uma referência gigantesca da modalidade e tenha suas impressões digitais no jogo de múltiplos sucessores. Um deles é Jayson Tatum, 25, principal jogador do Boston Celtics, time odiado pelos torcedores de Los Angeles e pelo próprio Kobe. O ala-armador, mais de uma vez, usou no braço um acessório para secar o suor com o número 24 -em roxo e amarelo, cor do arquirrival dos Celtics.
Uma dessas ocasiões foi na final da Conferência Leste de 2022, uma vitória no decisivo jogo 7 contra o Miami Heat. “Todo o mundo sabe o que ele significa para mim: meu ídolo, meu jogador favorito. Eu queria algo para mostrá-lo no jogo mais importante da minha carreira até agora” afirmou, satisfeito com o triunfo e com seus 26 pontos, 10 rebotes e 6 assistências.
Tatum não é um caso isolado. Até atletas que eram jovens demais para apreciar devidamente Kobe durante sua carreira carregam no uniforme -e na pele- o seu legado. O ala Jalen Williams, por exemplo, que chegou recentemente à NBA usando o número 8 e uma tatuagem com o rosto de Bryant, nasceu em 2001, quando seu ídolo já era campeão da liga e estava bem perto do bi.
“No colégio, eu usava o número dele nos Estados Unidos”, disse Williams, referindo-se a camisa 10 de Kobe na seleção nacional. “Na universidade, deixei alguém pegar a 10 e fiquei com a 24”, acrescentou. Na NBA, quis entrar como sua referência, usando o número 8.
“Ele é o Jordan da nossa geração”, afirmou Cam Thomas, 22, citando o ícone Michael Jordan -mentor de Kobe. “Sabe como os mais veneravam o Jordan? É assim que nós somos com o Kobe”, explicou o camisa 24 do Brooklyn Nets.
Trinta e nove jogadores na atual NBA usam o número 8 ou 24, e quase todos ligam diretamente a escolha a Bryant. Mas a questão vai além da decisão numérica ou de uma idolatria distante.
Kobe usou por dez anos a camisa 8, como um jovem de desempenho atlético surreal -e personalidade basicamente insuportável, o que contribuiu para o fim da vitoriosa parceria com Shaquille O’Neal. E vestiu pelos dez anos seguintes a 24, com a qual dominou mentalmente o jogo e estabeleceu relações pessoais como nunca fizeram anteriormente.
O moleque mimado da Filadélfia -que chegou a ser chamado de “intreinável” pelo técnico Phil Jackson, de quem se tornaria próximo- amadureceu e, de algum jeito, virou um mentor. E um mentor com um conhecimento técnico inacreditável, que se tornou uma espécie de oráculo para os que o sucederam.
Antes mesmo da aposentadoria, em 2016, Kobe passou a estabelecer metas e a rever vídeos de partidas com atletas como Anthony Davis e o já citado Jayson Tatum. A atenção aos detalhes e a disciplina eram o centro do que passou a ser chamado de “Mamba Mentality”, uma espécie de filosofia não escrita de Bryant, que tinha como apelido Black Mamba, referência à cobra mamba negra.
“Mamba Mentality é ter a disposição para vencer nos esportes e na vida, com o trabalho necessário e o instinto matador”, disse Davis, que virou pupilo de Bryant nos Jogos Olímpicos de 2012, quando ainda era um atleta universitário. “Hoje, quando as pessoas estão lutando, tentando sobreviver às dificuldades, dizem: ‘Preciso ter aquela Mamba Mentality’. É um estado mental no qual você luta para ser a melhor versão de si mesmo.”
Davis, 30, é atualmente o melhor jogador dos Lakers. Um de seus companheiros é o armador D’Angelo Russell, 27, que esteve ao lado de Bryant em sua última partida pela equipe de Los Angeles, uma noite histórica com 60 pontos do craque, que claramente não tinha condições físicas para isso. Ou tinha.
Mas o que mais ressoa em D’Angelo até hoje não são aqueles 60 pontos. São as viagens durante a temporada, nas quais Bryant usava seu computador no avião para fazer ajustes em um curta-metragem. Se o empenho era um dos pilares da Mamba Mentality, Kobe não limitou o basquete e mostrou que ela pode ser aplicada em outras áreas.
Assim ganhou um Oscar. Sim, Kobe resolveu fazer um filme e ganhou um Oscar -a animação “Dear Basketball” levou em 2018 a estatueta de melhor curta-metragem. “Ver os hábitos de trabalho dele saltarem do basquete para o que estava construindo naquela história foi incrível”, disse Russell.
É essa mentalidade que ainda ressoa no NBA, em gerações que talvez nem tenham a exata noção do que foi Kobe Bryant. Ressoa também em gerações mais velhas, como se observa nas palavras do antigo desafeto Shaquille O’Neal, 51, gravadas para a emissora TNT.
“Como você ganha uma estátua da NBA? Você precisa vencer. Você precisa mudar o jogo. E você precisa ser monumental. Kobe Bryant cumpre todos esses requisitos. Cinco vezes campeão, 18 vezes All-Star, a cara dos Lakers por duas décadas. Ele foi o jogador mais competitivo que eu já vi. E o melhor companheiro que já tive”, afirmou Shaq. “Que a estátua deixe uma coisa clara: Kobe Bryant é para sempre.”
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