Crescimento desordenado de árvores, emaranhado de fios elétricos entre galhos, aliados a temporais com a proximidade do verão: ingredientes preocupantes que resultam em acidentes e interrupção no fornecimento de energia elétrica em cidades da Região Metropolitana do Rio, como Niterói, Maricá, e região.
O ENFOCO percorreu diversos endereços nesta semana e constatou um cenário preocupante relatado por diferentes moradores.
Responsabilidade das prefeituras, o serviço de poda de árvores precisa estar alinhado às concessionária de energia elétrica, que garantem o desligamento da rede, dependendo da atividade a ser realizada. No entanto, canais disponibilizados para moradores solicitarem a manutenção, conforme relatos, ainda são desconhecidos por parte da população, e o que se vê é o crescimento apontando para tragédias.
Moradora de São Domingos, na Zona Sul de Niterói, a professora Irani Gandra, de 74 anos, revela que já pediu diversas vezes pela manutenção de uma árvore que já se misturou à rede elétrica, em frente à sua residência. Ela afirma viver um pesadelo em dias de chuva.
“Eu fui à Prefeitura de Niterói, disseram que era com a Enel. Eu fui na Enel, disseram que era na prefeitura. Não tem jeito. É um jogo de empurra. Já fiquei dias sem luz, e por ai vai”, explicou a professora.
É um jogo de empurra!
Em Icaraí, também na zona sul da cidade, a moradora Mariana Ribeiro, de 34 anos, relata viver o dilema entre amar o ambiente arborizado e o medo dos danos provocados pela falta de manutenção em períodos chuvosos:
“A gente ama as árvores aqui, mas fico com medo quando chove. É um problema quando cai a energia, principalmente para os mais velhos e quem tem crianças”, conta.
Chuvas
Com a chegada do verão e as chuvas mais intensas, cidades, como Niterói por exemplo, enfrentam o desafio em comum que se renova a cada temporada: como manter a arborização das sem comprometer a segurança da população e o fornecimento de energia elétrica?
A resposta pode estar na combinação de manutenção preventiva, por meio dos serviços de poda, e de planejamento urbano — que permitem preservar a vegetação longe de riscos.
Prevenção
Segundo a professora da Escola de Urbanismo e Arquitetura da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luciana Nemer, as manutenções preventivas são necessárias para equilibrar a qualidade de vida e a segurança urbana. Em tempos de chuva, árvores com galhos que atingem a fiação elétrica oferecem riscos à integridade física e ao fornecimento de energia nos locais onde estão posicionadas.
“A conservação regular reduz serviços de emergência. As manutenções preventivas, antes das estações mais chuvosas, são parte do planejamento eficaz que garante que a arborização não cause problemas para a população nos casos de vendavais e tempestades”, explica Nemer.
A boa gestão do sistema municipal de meio ambiente passa pela manutenção preventiva da arborização
Períodos mais adequados para a realização das podas são antes do inverno — no caso de uma maior incidência de ventos — e antes do verão, em razão das chuvas. No entanto, conforme o engenheiro civil, Doutor em Geografia Ambiental pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), David Bee, as crises climáticas exigem que os serviços sejam mais frequentes.
“As chuvas têm sido muito mais volumosas e torrenciais, e os ventos também estão cada dia mais intensos, mais fortes, mais duradouros e frequentes. Então, isso também é bastante preocupante porque quanto menos poda, maior é o espaço aéreo das árvores. Portanto, o risco de queda durante as ventanias é muito grande”, explica.
Ruas escuras
A falta de manutenção também contribui para a obstrução da iluminação pública pela copa das árvores. É o que destaca o pedreiro João Batista, de 64 anos.
“Poderiam podar pelo menos umas duas vezes ao ano, mas fica isso aí o ano inteiro. A árvore já está cheia de galhos secos e para fazer pedido é muito, muito difícil. Tem que abrir protocolo e jogam de um para outro”, desabafa.
Técnicas
Em Maricá, na Região Metropolitana do Rio, uma das técnicas realizadas é a poda adequada, quando os cortes respeitam a estrutura natural da árvore, evitando podas drásticas que podem comprometer a saúde e estabilidade da planta, popurlamente conhecidas como ‘poda assassina’.
Uma das principais práticas utilizadas na cidade é o uso de um tomógrafo — uma ferramenta especializada que mapeia o interior, tronco e raízes das árvores. O instrumento permite uma avaliação precisa da saúde da árvore e identifica potenciais problemas que possam causar acidentes. Até o momento, o tomógrafo já analisou mais de 50 árvores.
Segundo dados da prefeitura, a legislação municipal proíbe a poda que suprime mais de 50% da massa verde da copa, descaracterizando a arquitetura original da espécie.
Falta de manutenção: riscos à segurança pública
No bairro São Domingos, Zona Sul de Niterói, parte do telhado de uma clínica da fisioterapeuta Xênia Tavares, de 40 anos, ficou destruída após ser atingida por uma árvore, durante um temporal que atingiu a região este ano.
“Uma vez, durante uma chuva, caiu um galho aqui e quebrou a telha. Tinham uns fios que ficaram caídos. A gente chegou a ficar sem luz”, relatou a profissional.
Ainda segundo a fisioterapeuta, pedidos de manutenção na árvore, que fica em frente a clínica, foram emitidos. No entanto, ela afirma que o processo para solicitar o serviço se revela uma troca de responsabilidades.
“Eu procurei a prefeitura e eles disseram que eu deveria ligar para a Clin. Não entendi, mas liguei, e por sua vez eles disseram que não era atribuição deles, e assim, fica nesse jogo de empurra”, explica a fisioterapeuta.
Os esforços pela manutenção não resultaram em nada. No local, inclusive, um galho já cresceu por cima dos fios elétricos.
Estatísticas
Em Niterói, a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (Seconser) é a responsável pelos serviços na cidade. A pasta justifica que desde 2022 foram feitas mais de 13 mil podas de árvores. Dessas, 1,7 mil foram realizadas somente em Icaraí, na zona sul da cidade.
Ainda conforme a gestão, equipes de Arborização Urbana da Seconser estão diariamente nas ruas fazendo esse tipo de serviço. No entanto, a prefeitura não informou se pretende intensificar as atividades diante da possibilidade de chuvas mais intensas decorrentes do verão.
No município vizinho, em Maricá, a prefeitura informa que a rotina das manutenção é diária. O serviço fica a cargo da Secretaria de Cidade Sustentável, que segue um cronograma que prioriza áreas com maior necessidade.
Conforme a pasta, o centro da cidade e Itaipuaçu são considerados prioritários devido a fatores específicos. No Centro, pela alta circulação de pessoas e a presença de estabelecimentos comerciais. Já em Itaipuaçu, pelo rápido crescimento populacional e urbanístico que ocupa a região.
A concessionária Enel, por sua vez, garante que o volume de podas preventivas em 2024 está sendo ampliado em 27% na região de Niterói e Maricá, em relação ao ano passado. Mas não ofereceu qualquer balanço referente aos trabalhos já realizados e métodos preventivos alinhados junto as administrações municipais.
Perigo
Em muitos casos, moradores recorrem ao serviço terceirizado: homens comuns que negociam a realização da poda entre R$ 100 e R$ 300. Alternativa arriscada, já que os indivíduos se expõem a redes elétricas ativas, o que é proibido, além do corte irregular das árvores sem qualquer orientação.
A Lei Federal 9605/1988 protege as árvores e dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Cortar árvores de lugares considerados de preservação, inclusive, constitui crime contra a flora e fauna.
O que fazer?
Em Niterói, a população pode reportar denúncias e solicitações de manutenções pela plataforma Colab, ou pelo telefone (21) 4040-1650.
Já em Maricá, os moradores podem solicitar serviços relacionados à poda, plantio ou remoção de árvores em área pública por meio da Ouvidoria Municipal (Central 156), abertura de processo no SIM, pelo e-mail podaecortemarica.rj@gmail.com ou presencialmente na sede da Secretaria de Cidade Sustentável, localizada na Rua Albatroz, no Parque Nanci.